Aqui vai um trecho da entrevista:
Donaldo Macedo: Isso é uma forma de moralismo seletivo. Participar nesse moralismo
seletivo também fornece a esses comissários a base racional para justificar a sua
cumplicidade com aquilo a que Theodor Adorno chamou “recusa teimosa de ver”.
Eu vivi em duas ditaduras muito diferentes, a de António Salazar, em Portugal, e a de
Francisco Franco, na Espanha, e a censura nesses regimes totalitários era crua,
inequívoca e policiada. A experiência que tenho da censura na democracia dos EUA
é de que esta é muito mais difusa e freqüentemente exercida de uma forma subliminar
ou através dos colegas (incluindo os estudantes) no contexto do trabalho.
Por falar em democracia, não é irônico que nos Estados Unidos – um país que se
preza por ser a primeira e mais democrática sociedade do Primeiro Mundo – as
escolas continuem a ser extremamente antidemocráticas? Elas continuam
antidemocráticas não só nas suas estruturas administrativas (por exemplo, os
diretores são nomeados e não eleitos), mas também enquanto locais que reproduzem
a ideologia dominante, que por seu lado desencoraja o pensamento crítico e
independente. Dada a natureza antidemocrática das escolas, como pode a educação
estimular o pensamento crítico em termos de criatividade, curiosidade e
necessidades dos estudantes?
Noam Chomsky – Existiam alternativas ao atual sistema escolar antidemocrático que
acabou de mencionar. Por exemplo, eu tive a sorte de estudar numa escola baseada em
ideais democráticos, onde a influência das idéias de John Dewey se sentiam fortemente e onde as crianças eram encorajadas a estudar e investigar enquanto processo de descoberta da verdade por elas próprias. Qualquer escola que tenha de impor o ensino da democracia já é suspeita. Quanto menos democrática é uma escola, mais necessidade tem de ensinar idéias democráticas. Se as escolas fossem realmente democráticas, no sentido de oferecerem às crianças as oportunidades de terem a experiência da democracia na prática, não sentiriam a necessidade de as doutrinar com lugares-comuns sobre a democracia. De novo, eu me sinto um felizardo por a minha experiência escolar não se ter baseado na memorização de falsidades sobre quão maravilhosa era a nossa democracia. A influência de Dewey não se estendeu a todas as escolas, apesar de ele ter sido uma figura eminente do liberalismo norte-americano e um dos principais filósofos do século XX. O verdadeiro ensino democrático não gira em torno da instilação do patriotismo ou da memorização mecânicados ideais da democracia. Nós sabemos que os estudantes não aprendem dessa maneira. A verdadeira aprendizagem ocorre quando os estudantes são convidados a descobrir por eles próprios a natureza da democracia e o seu funcionamento. A melhor maneira de descobrir como funciona uma democracia funcional é praticá-la. E isso as escolas não fazem muito bem. Uma boa medida do funcionamento de uma democracia nas escolas e na sociedade é o grau de aproximação entre a teoria e a realidade, e é sabido que tanto nas escolas como na sociedade existe um grande abismo entre as duas. Em teoria, numa democracia todos os indivíduos podem participar em decisões que têm a ver com as suas vidas, determinando como são obtidos e utilizados os recursos públicos, que política externa a sociedade deveria seguir e assim por diante. Um teste simples mostrará o abismo entre a teoria, que diz que todos os indivíduos podem participar nas decisões que envolvem as suas vidas, e a prática, em que o poder concentrado pelo governo funciona como um limitador da capacidade dos indivíduos e grupos de gerirem os seus próprios assuntos ou, por exemplo, de determinarem a forma da política externa que querem adotar.
link da entrevista completa:
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol4iss1articles/chomsky.pdf
(é um texto chatinho e focado na política e sistema dos EUA, mas é interessante.)
.
Donaldo Macedo: Isso é uma forma de moralismo seletivo. Participar nesse moralismo
seletivo também fornece a esses comissários a base racional para justificar a sua
cumplicidade com aquilo a que Theodor Adorno chamou “recusa teimosa de ver”.
Eu vivi em duas ditaduras muito diferentes, a de António Salazar, em Portugal, e a de
Francisco Franco, na Espanha, e a censura nesses regimes totalitários era crua,
inequívoca e policiada. A experiência que tenho da censura na democracia dos EUA
é de que esta é muito mais difusa e freqüentemente exercida de uma forma subliminar
ou através dos colegas (incluindo os estudantes) no contexto do trabalho.
Por falar em democracia, não é irônico que nos Estados Unidos – um país que se
preza por ser a primeira e mais democrática sociedade do Primeiro Mundo – as
escolas continuem a ser extremamente antidemocráticas? Elas continuam
antidemocráticas não só nas suas estruturas administrativas (por exemplo, os
diretores são nomeados e não eleitos), mas também enquanto locais que reproduzem
a ideologia dominante, que por seu lado desencoraja o pensamento crítico e
independente. Dada a natureza antidemocrática das escolas, como pode a educação
estimular o pensamento crítico em termos de criatividade, curiosidade e
necessidades dos estudantes?
Noam Chomsky – Existiam alternativas ao atual sistema escolar antidemocrático que
acabou de mencionar. Por exemplo, eu tive a sorte de estudar numa escola baseada em
ideais democráticos, onde a influência das idéias de John Dewey se sentiam fortemente e onde as crianças eram encorajadas a estudar e investigar enquanto processo de descoberta da verdade por elas próprias. Qualquer escola que tenha de impor o ensino da democracia já é suspeita. Quanto menos democrática é uma escola, mais necessidade tem de ensinar idéias democráticas. Se as escolas fossem realmente democráticas, no sentido de oferecerem às crianças as oportunidades de terem a experiência da democracia na prática, não sentiriam a necessidade de as doutrinar com lugares-comuns sobre a democracia. De novo, eu me sinto um felizardo por a minha experiência escolar não se ter baseado na memorização de falsidades sobre quão maravilhosa era a nossa democracia. A influência de Dewey não se estendeu a todas as escolas, apesar de ele ter sido uma figura eminente do liberalismo norte-americano e um dos principais filósofos do século XX. O verdadeiro ensino democrático não gira em torno da instilação do patriotismo ou da memorização mecânicados ideais da democracia. Nós sabemos que os estudantes não aprendem dessa maneira. A verdadeira aprendizagem ocorre quando os estudantes são convidados a descobrir por eles próprios a natureza da democracia e o seu funcionamento. A melhor maneira de descobrir como funciona uma democracia funcional é praticá-la. E isso as escolas não fazem muito bem. Uma boa medida do funcionamento de uma democracia nas escolas e na sociedade é o grau de aproximação entre a teoria e a realidade, e é sabido que tanto nas escolas como na sociedade existe um grande abismo entre as duas. Em teoria, numa democracia todos os indivíduos podem participar em decisões que têm a ver com as suas vidas, determinando como são obtidos e utilizados os recursos públicos, que política externa a sociedade deveria seguir e assim por diante. Um teste simples mostrará o abismo entre a teoria, que diz que todos os indivíduos podem participar nas decisões que envolvem as suas vidas, e a prática, em que o poder concentrado pelo governo funciona como um limitador da capacidade dos indivíduos e grupos de gerirem os seus próprios assuntos ou, por exemplo, de determinarem a forma da política externa que querem adotar.
link da entrevista completa:
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol4iss1articles/chomsky.pdf
(é um texto chatinho e focado na política e sistema dos EUA, mas é interessante.)
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